Novas tecnologias em educação corporativa: como selecionar e maximizar as chances de sucesso
Artigo técnico produzido para o 31º Congresso Brasileiro de Treinamento e Desenvolvimento (CBTD 2016)
1. Introdução
O ser humano tem aprendido e ensinado desde a Antiguidade, e a maneira como se dá a transmissão de conhecimento evoluiu juntamente com as necessidades específicas e a tecnologia disponível em cada período. Na Antiguidade, o principal método de treinamento usado era o on the job, que, apesar de possibilitar o treinamento de apenas uns poucos de cada vez, tinha a vantagem de não exigir que o aluno soubesse ler ou escrever. Já na primeira metade do século XX – devido principalmente às necessidades de produção de bens de defesa para as duas grandes guerras –, surgiram as primeiras metodologias e processos de treinamento estruturados e sistemáticos, ajustados principalmente a garantir o cumprimento de certas tarefas operacionais no tempo e com a qualidade desejáveis.
Chegando aos dias atuais, observamos que nunca houve tantas maneiras de transferir informações e conhecimento, e muitas delas são baseadas em tecnologias desenvolvidas recentemente, especialmente nas áreas de comunicação e entretenimento. Além disso, os objetivos de treinamento estão cada vez mais complexos e variam muito dependendo da empresa, da área de negócio e da etapa de carreira de cada profissional. Com tantas opções e alternativas, como podemos ser assertivos na escolha e na adoção de novas metodologias e tecnologias em treinamento corporativo?
Para responder a esta pergunta, escolhemos nos atentar a uma das poucas coisas que é constante em qualquer dos processos de aprendizagem exemplificados anteriormente: o cérebro humano. E logo de início, já nos deparamos com um desafio: o nosso cérebro é projetado para esquecer coisas.
2. A curva do esquecimento
De acordo com Art Kohn (2015), esquecer é uma característica importante do cérebro porque simplesmente não é possível memorizar tudo o que vemos, ouvimos e fazemos. Nossa memória tem um espaço limitado e precisamos deletar informações não essenciais para dar espaço a informações úteis e prioritárias. Kohn ainda usa um estudo de Hermann Ebbinghaus (1885) para dimensionar o quanto do que aprendemos é esquecido e em quanto tempo. Em seu estudo, Ebbinghaus memorizou uma sequência de sílabas e plotou em um gráfico de quantas delas ele se lembrava com o passar do tempo. O resultado é que, em um dia, ele já havia esquecido 70% de tudo que memorizara outrora.
Gráfico 1 – Curva do esquecimento de Ebbinghaus.
Neste cenário, como fazer para que seu treinamento não seja esquecido? Como comunicar ao nosso cérebro que aquele conteúdo é importante e que, portanto, ele precisa continuar lá para ser utilizado?
Em seu livro The art of changing the brain, James E. Zull (2002) explora o que ele chama de biologia do aprendizado e nos ajuda a entender como ocorre o aprendizado natural. Segundo Zull, o aprendizado natural ocorre por meio de quatro etapas, em regiões diferentes do cérebro, cada uma com os objetivos específicos e interconectados. Transpondo essas etapas em fases de um treinamento ou de uma trilha de aprendizagem, acreditamos que – dados os objetivos de cada fase – é possível escolher metodologias mais adequadas de treinamento para cada fase, aumentando, assim, a retenção do conhecimento para sua posterior aplicação.
Um dos aspectos essenciais tratados por Zull (2002), além da construção racional do conhecimento, é o componente emocional da aprendizagem, que se dá pelo sistema límbico e funciona com botão liga/desliga dentro da cabeça do aprendiz. Quando somos nós os alunos, quanto tempo levamos para decidir se vamos prestar atenção em um conteúdo, ou se vamos mandar um e-mail ou uma mensagem no celular? Dez minutos?
No dinâmica da sociedade atual, principalmente no que se refere ao consumo de informação online, temos cada vez mais dificuldade em nos concentrar por longos período e de maneira aprofundada em alguma informação ou conteúdo. Diversos estudos e publicações apontam essa tendência, com destaque para o livro A geração superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros, de Nicholas Carr (2012). Esses aspectos reforçam a importância de as áreas de educação corporativa das empresas buscarem metodologias atrativas, engajadoras e com alto grau de inovação.
3. Transformando tecnologia em educação
Historicamente, a área de educação não é uma desenvolvedora de novas tecnologias, principalmente se comparada às áreas de telecomunicações, defesa e entretenimento; também há evidências de qualquer alteração nesse cenário em curto prazo. Contudo, existem diversos casos de tecnologias que foram criadas com outras finalidades e, posteriormente, utilizadas para a educação. Um exemplo recente e já consolidado no mercado são os games educativos e o conceito de gamification aplicado em diversos treinamentos online.
Outros exemplos de vanguarda são treinamentos em realidade aumentada e realidade virtual imersiva. Na revista Você-RH, da Editora Abril (agosto/2016), já foram apresentados casos de utilização por empresas como Telefônica-Vivo, Banco do Brasil e Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL).
Imagem 1 – Exemplo de realidade virtual: Telefônica-Vivo.
Em relação aos recursos de treinamento citados anteriormente, além de eles terem o papel de gerar interesse e engajar participantes, essas metodologias possibilitam aproximar o treinamento ainda mais da prática ao trabalhar aspectos tanto relacionados à relevância quanto à aplicação – aspectos considerados fundamentais tanto por Kohn (2015) quanto por Zull (2002). Isso sem considerar outros indicadores de negócio, como redução de custo em infraestrutura e em logística de treinamento, como explicou Niva Ribeiro, Diretora de RH da Telefônica-Vivo, em declaração à matéria já citada da Revista Você-RH: “Com a realidade virtual, vamos reduzir os gastos de infraestrutura. Além disso, também diminuímos o tempo de treinamento e antecipamos o cenário em que o funcionário irá atuar”.
4. Conclusão
Percebemos que a inclusão de recursos tecnológicos se tornou um fator indispensável de sucesso nas políticas de educação corporativa das empresas. Seja pela necessidade de aumentar o engajamento e a retenção do conhecimento, seja pela otimização de recursos e pelo aumento de volume de pessoas a serem treinadas. Porém, é insuficiente avaliar um recurso tecnológico isoladamente, sendo necessário relacioná-lo com os desafios e objetivos de cada iniciativa de treinamento, garantindo um alinhamento entre a metodologia e a tecnologia.
5. Referências
CARR, Nicholas. A geração superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros. Trad. Mônica Gagliotti Fortunato Friaça. Rio de Janeiro: Agir, 2011.
EBBINGHAUS, Hermann. Memory: a contribution to experimental psychology. Disponível em: http://psychclassics.yorku.ca/Ebbinghaus/index.htm. Acesso em: 31 ago. 2016.
KOHN, Art. Use it or lose it. Disponível em: https://www.td.org/Publications/Magazines/TD/TD-Archive/2015/02/Use-It-or-Lose-It. Acesso em: 30 ago. 2016.
LIMA, Luciana. Bem-vindo à realidade virtual. Revista Você-RH, São Paulo, ed. 45, p. 44-47, ago./set. 2016.
SLEIGHT, Deborah Alpert. A developmental history of training
in the United States and Europe. Disponível em: https://msu.edu/~sleightd/trainhst.html. Acesso em: 30 ago. 2016.
ZULL, James E. The art of changing the brain. 1. ed. Sterling: Stylus Publishing, 2002.